As universidades, inicialmente, tinham poucas preocupações com a investigação e o doutoramento não se baseava em investigação original. As dissertações doutorais nos tempos da Idade Média, Renascença e Reforma visavam mais mostrar a erudição dos candidatos do que a sua capacidade para produzir investigação aceitável e inovadora. Foi nas universidades de Halle (fundada em 1694) e de Göttingen (1734) que foram introduzidas algumas inovações, como o requisito de que os professores, para além de ensinar, também tinham de investigar. E alguns professores começaram a ensinar com base no seu próprio trabalho, em vez de explicar um texto ou recapitular uma tradução, transformando a cátedra num lugar de conhecimento novo.
A criação, em 1810, da Universidade de Berlim por Wilhelm von Humboldt é considerada, por muitos, como o primeiro exemplo de uma universidade moderna de investigação. Humboldt estava ciente de que os académicos produziam pouca investigação de relevo, embora alguns dos mais brilhantes pensadores alemães estivessem nas universidades, o que apontava, como solução, para a combinação do ensino com a investigação. Humboldt escreveu que o instrutor universitário deixou de ser o professor e os estudantes deixaram de ser os ensinados. Pelo contrário, os estudantes deviam fazer investigação sob a orientação do professor.
O modelo Humboldtiano de ensino superior não se propunha preparar os alunos para o emprego, ou para responder às necessidades imediatas do mercado de trabalho, ou da sociedade em geral. Pelo contrário, tinha por objetivo proporcionar uma combinação de educação e de conhecimentos, tornando os estudantes capazes de florescer na sua sociedade e de adquirir maturidade moral e emocional para serem, quer parte de uma equipa, quer para terem autonomia pessoal [o conceito alemão de Bildung]. Segundo Humboldt, o Bildung e a experiência de vida deviam capacitar os estudantes para que fossem capazes de organizar por si próprios as futuras vidas profissionais. Segundo a OCDE (1988) o ponto de partida do modelo de Humboldt não é, nem a utilidade económica ou social, nem o estudante como cliente, nem a instituição como prestadora de serviços. Pelo contrário, é a missão da comunidade académica de criar e disseminar o conhecimento.
Segundo Michael Ash, Humboldt morreu de muitas mortes, mas foi ressuscitado outras tantas vezes. Entre os assassinos de Humboldt estará, certamente, o processo de Bolonha. Em 1997 o Ministro Alemão da Educação, Ciência, Investigação e Tecnologia, um dos signatários da declaração da Sorbonne proclamou, num Conselho de Reitores, a morte de Humboldt. Para esta morte contribuíram, quer a massificação do ensino superior, quer o processo de Bolonha com uma visão instrumental de um ensino superior virado para as necessidades imediatas do mercado de trabalho.
Temos hoje sistemas massificados, com grande diversidade de instituições, em que subsistem universidades de investigação de renome mundial nas quais ainda vagueia o fantasma de Humboldt. Nestas condições, surge naturalmente uma interrogação: é possível assegurar um nível adequado de investigação em todas as instituições de um sistema massificado ou, pelo contrário, os recursos de investigação devem estar concentrados num pequeno número de instituições de elite? O que cria um novo dilema já apontado por Piketty, o da hipocrisia do ensino superior ao propor a ilusão de que todos têm as mesmas hipóteses de êxito independentemente da instituição de ensino superior que frequentaram.
Conferência organizada pela Comissão Independente para a avaliação da aplicação do RJIES com o apoio da Universidade de Coimbra.